E
o menino sentado na calçada, observando as pessoas passarem diante dele, logo
começou a fazer muitas perguntas para si mesmo. Podia ver que o seus pés
estavam descalços e sujos, enquanto os das outras pessoas estavam protegidos
por algum tipo de calçado, caro demais para ele, nos quais nunca conseguiria
comprar com as poucas moedas que recebia enquanto tomava conta dos carros. O
menino olhava os outros garotos da sua idade com vídeo games nas mãos, tão
entretidos na brincadeira que nem ao menos se davam conta da companhia de seus
próprios pais. Os pais, por sua vez, estavam tão entretidos em seus respectivos
trabalhos que nem ao menos se davam conta da companhia de seus filhos.
Lembrou-se
do que sua mãe havia dito sobre o tal Papa, aquele senhor superimportante da
igreja que diziam ser o representante de Deus. Era como um rei, pois havia até
mesmo um trono de ouro. Aquelas roupas engraçadas faziam com que se parecesse
com um vilão de desenho animado, só que de verdade! Claro que na cabeça do
menino nem tudo tinha uma ligação lógica, pois, como o representante de Deus
poderia parecer um vilão? E Deus não é bom? Ainda em sua mente veio a lembrança
de sua mãe falando com Deus depois de falar com um tal de pastor. Falou algo
sobre um tal de dízimo também, mas para o menino, nada daquilo fazia sentido.
Então continuou brincando com seu graveto.
Fechou
os olhos e pegou no sono. Sonhou com seu pai, que não via à um bom tempo, nem
sabia contar nos dedos os dias que se passaram desde que os homens de chapéu
entraram em sua casa e levaram o seu pai para “dar um passeio”. Não entendia
direito o que havia acontecido. Sua mãe explicara-lhe que seu pai estava
passeando, e que em pouco tempo voltaria para casa. Já o seu tio, irmão de sua
mãe, lhe disse que seu pai estava na prisão, porque havia pegado coisas que
eram dos outros, e que só homens maus faziam isso, e por isso ele agora estava
morando por um tempo com outros homens maus.
Acordou
assustado com muitas pessoas gritando. Não entendia direito o que estava
acontecendo, mas sentiu que deveria sair dalí, pois as pessoas estavam com
caras muito bravas, como aquela que sua mãe faz ao dar bronca quando ele faz
algo errado. Antes de correr, viu que uma parte das pessoas estava vestida
todas de preto, e a outra parte estava vestida toda de branco. Uma das pessoas
tinha na mão o mesmo objeto que o homem de chapéu possuía no dia em que seu pai
fora levado. De repente, aquele negócio fez um barulho muito alto... PÁ!!!, que
fez com que todos se assustassem ao mesmo tempo. Quando percebeu um homem
deitado no chão de olhos fechados, com muito sangue na sua camiseta branca, ficou
tão assustado que finalmente saiu correndo.
Já
havia corrido um bom pedaço e já estava perto de casa. Parou para descansar e
olhou para o céu, que já estava escuro. Observou por um tempo a Lua, e percebeu
como ela estava bonita e grande, brilhando tanto que até doía um pouco olhos.
Ouviu de longe uma voz, um homem gritando. Deu alguns passos em direção à praça
que estava vazia, a não ser por 5 sombras que se mexiam vibrantes. Viu que a
voz estava vindo dalí. Chegou um pouco mais perto, com muito medo, pois parecia
um filme de terror que sua mãe havia o proibido de assistir na TV. Quando olhou
por cima do banco, viu quatro homens muito grandes e sem cabelo chutando alguma
coisa que estava no chão, parecia que estavam jogando bola, como fazia com seus
amigos na rua de vez em quando. Levantou-se mais um pouco e finalmente viu o
que estava no chão. Não era bola, era um homem. Os gritos que ouvira, vinham
desse homem, de barba grande, parecido com o Papai Noel. Ele parecia triste, e
do jeito que gritava, parecia que estava sentindo muita dor, como quando jogava
bola descalço e chutava o chão sem querer.
O
menino se sentou, trêmulo, e sentiu um líquido quente escorrer entre suas
pernas. Estava com muito medo. E sem saber o motivo, perdeu as forças das
pernas, se sentou no chão e começou a chorar. Chorou muito, ainda ouvindo os
gritos do homem, que foram diminuindo com o tempo. Até que não ouviu mais nada,
apenas o silêncio. Sentiu um alívio por não estar mais ouvindo aqueles gritos.
Ainda sentado, ouviu algumas vozes falando bem baixinho, e em seguida um
barulho de carro ligando e indo embora.
O
menino levantou-se devagar, ainda trêmulo e olhou por cima do banco. Viu que os
homens grandes não estavam mais ali, apenas aquele parecido com o papai Noel ainda
estava deitado. Resolveu que deveria se aproximar, pois estava curioso, e
queria perguntar se a dor já havia passado. Se aproximou lentamente do moço
deitado no chão. Ajoelhou-se do seu lado e disse: “Moço...?”. Cutucou o ombro
do velho, mas ganhou apenas o silêncio como resposta. “Que estranho”, pensou...
“Será que ele está dormindo?”. Aproximou-se mais, procurando os olhos do velho
e assim confirmou, seus olhos estavam fechados. Com certeza estava dormindo.
Sua expressão era serena. Ficou aliviado e resolveu voltar para casa. Já estava
escuro fazia tempo, e sua mãe com certeza ficaria brava se demorasse mais.
Já
estava cansado, pois havia ficado o dia inteiro na rua debaixo do Sol. Queria
chegar logo em casa para contar à sua mãe as coisas que havia visto hoje.
Tantas coisas novas e diferentes, mas nenhuma delas felizes. Sentia-se
estranho, como se houvesse um buraco em seu peito. Começou andar mais rápido
então, pois não estava se sentindo muito bem, e queria de uma vez encontrar-se
com sua mãe e sentir os seus braços.
Chegando
na sua rua, conseguiu ver de longe que muitas pessoas estavam na frente de sua
casa conversando. Foi correndo para ver o que tinha acontecido. Ao chegar,
todas as pessoas pararam de falar e olharam para ele com uma feição na qual não
conseguia definir o que significava. Algumas das pessoas estavam chorando, e
ouviu alguém no meio dizer: “É o filho dela...”. Entrou mais que depressa em
sua casa. Chegando lá dentro, não entendeu o que acabara de ver. Sua mãe estava
deitada no chão, e seu irmão que havia acabado de nascer estava chorando muito
no colo de uma velha que morava ao lado da sua casa. Algumas pessoas entravam
na casa, olhavam para sua mãe deitada no chão e começavam a chorar. Sentiu
necessidade de chegar perto dela, como havia sentido mais cedo com o velho
dorminhoco. Algumas pessoas o impediram de passar, e diziam que ela havia
morrido. Outras diziam que ela apenas estava dormindo. Outras diziam que ela
estava com papai do céu.
A
cabeça do menino estava muito confusa, não conseguia entender o que estava
acontecendo, não sabia o que fazer. Sentiu vontade de chorar e se jogar no
chão, mas não o fez, e simplesmente saiu correndo pra rua. Correu muito, muito
e muito. Não sabia mais onde estava. A chuva começou a cair forte do céu, e a
Lua havia sumido. Estava começando a ficar com frio, pois o vento batia sem dó
em seu peito molhado. Se encolheu debaixo de um toldo, em frente a uma loja com
as portas fechadas. A rua estava escura e vazia. Sentia fome, muita fome. Não
sabia como voltar pra casa, estava num lugar que nunca havia visto. De longe
conseguia ouvir uma música com batida forte, mas a som da chuva superava o da
música. Fora a música e a chuva, o único barulho que ouvia era o de sirenes,
como as da noite em que seu pai fora embora.
Em
meio ao frio e a fome, o menino começou a se perguntar: “Por que? Como essas
coisas acontecem? Na TV as pessoas estão sempre sorrindo e comendo muito. Elas
estão felizes, conversando sobre coisas que eu não consigo entender, morando em
casas tão grandes e bonitas. As pessoas da TV não ficam com frio nunca! E elas
são tão diferentes... elas são tão bonitas... pelo menos é o que dizem. As
crianças na TV sempre estão brincando com muitos amigos, e sempre são
brincadeiras que eu nunca brinquei, brincadeiras que eu nem sei como é que se
faz... E todas elas sempre estão juntas do pai e da mãe, e todos dão muita
risada. E elas comem muito... o tempo todo...”.
Os
olhos do menino foram ficando pesados. Foram se fechando lentamente, enquanto
todas aquelas questões vinham em sua cabeça de uma só vez...
Uma vez me disseram: “Você
pode escrever um texto sobre o que é ser pai. Um texto lindo, muito bonito
mesmo, mas você NUNCA vai saber como é ser um pai.”. Eu concordo, não sei como
é ser um pai. Mas isso não tira o fato de que vou respeitá-lo como um ser
humano, não importa se eu não sentir o que ele sente.
Eu não sou esse menino
da história, e não sinto tudo o que ele sentiu...
O que há de errado
conosco?
Esse menino não quer
saber qual a sua religião...
Ele não quer saber sua
tendência política...
Ele não está nem aí
para o seu grau de ensino...
E muito menos se você
tem uma faculdade, um Mestrado, um Doutorado...
Ele não liga para o
time de futebol que você torce e os motivos que levam à uma torcida brigar com
a outra...
E realmente, ele não
está NEM AÍ para suas discussões sobre a existência de DEUS, sobre o
SOCIALISMO, sobre sua família ter influência MILITAR, sobre a ETIQUETA, sobre a LIBERAÇÃO DA MACONHA, sobre o quanto você GANHA POR MÊS,
sobre FUTEBOL, sobre o CAPÍTULO DA NOVELA das nove, sobre o que acontece no seu
INCONSCIENTE, sobre a sua manifestação para SALVAR NOSSO LINDO PLANETA e sobre
a proibição ou liberação de SACOLAS PLÁSTICAS NO MERCADO!!!
Abra os seus olhos...
Enxergue o que está
acontecendo, e saia de cima do pedestal.